Liliana Heer

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Liliana Heer

 

 

 

 

 

 

 

 


Ibis Libris, 2017

O SOL DEPOIS
Tradução de Jean Cândido Brasileiro e Thereza Christina Rocque da Motta - Ibis Libris Rio de Janeiro 2017

 

NICOLE

Conheci-o no verão, no finalzinho de um agosto
instável, salpicado de bruma e escassos pescadores.

Poucos fatos, simplesmente cenas que facilitam
passagens verbais: uma certa emoção retorna ao dia.

É verão, a construção da nova ponte
avança com agitação, há máquinas diversas, vigas,
aterros, uma legião de operários. Ainda, às cegas,
a certeza do horizonte na minha pupila compõe
nebulosas silhuetas de realidade. Isto e aquilo.
Adestramento heroico: vaguear apenas alerta,
ler, dormir. Costumo ir até a beira d’água
sobre a areia úmida, comprimida, negra;
de um lado a outro o balanço das ondas.

Eu dormia enquanto ele observava.
Supervisiona a construção da ponte, é engenheiro.
Um homem resoluto, franco, entusiasta.

Uma mancha na areia, disse.

Conhecia o rosto que tinhas antes de vê-lo
como se estivesses dentro de mim desde sempre
uma vidência quase inefável
a estranheza do pudor
vergonha do corpo
ser jovem de novo
Um dia observei meu esperma pelo microscópio
puro movimento um flash
Minha filha minha fêmea
vou cuidar de ti
quero sofrer de amor
chorar sentir ciúmes pedir perdão
Nem sequer pensei em loucura
somente medo
dormias fora do mundo

Terá sido assim?

Expulsa caminho pela calçada,
há vento, neblina, a névoa dos dias breves.
A poucos metros do mar, o engenheiro observa
as colunas da ponte, em algumas ainda balançam
bandeirinhas da inauguração.

Quando algo se conclui
resta o inventário
fórmulas equações escalas

Uma obsessão exige indiferença?
Vejo seu carro, os faróis baixos, ele espera
eu atravessar a rotunda; minha demora provoca
ideias turvas, esvai sua alegria extravagante.
Não posso evitá-lo, por isso diminui seu nível
de inquietude, omite loucas suposições, alusões
à idade, à moda, aos comportamentos, neutraliza-se.
Então transformamo-nos em cúmplices instantâneos.
Quer me ouvir, crer no simples boca a boca,
as palavras entram pelos olhos, um armazém
de secos e molhados, milhares de objetos à disposição.

Inventar não é mentir. Sem dúvidas ou desculpas
nem explicações; crônicas, anátemas, qualquer um
pode dizer: a infância, a fraude, a celebração, vivem,
já morreram, nascidas de algum modo.

Uma noite
apenas uma noite, diz o engenheiro.
Não poderia, digo logo, nunca, me esperam,
depois seria pior.

A porta se entreabre, tudo recomeça.

Ele sorri, treme seu queixo, abraça-me forte;
sinto meus ossos, sua língua,
a história do contrabaixo, um piano, a bateria.

Éramos muito jovens
ensaiávamos no porão do colégio
fazíamos diversos apresentações
música tocada ao acaso
um dos três iria morrer
eu sabia
pela televisão mostraram
o risco de giz na calçada
nenhum perdão
ele não desejou
nada
odiei o som
um efeito imediato
esquecer as notas as claves os movimentos
ser uma estátua estudar engenharia construir pontes

Foi através de uma luneta
da grua
Dormias dormias?  

Uma mancha violeta na areia

A água
sua pele
respira?
está aí
o sol
a sede
se ela acordar confesso
revelo tudo

Ele diz a cada encontro, repete, altera a ordem,
um ritual, a sinfonia em vermelho,
o microscópio, o contrabaixo, o silêncio, a grua.

Há algo em sua forma de trazer o passado,
uma forma de doação.

Sonho com o baterista, é loiro, magro, elétrico,
com a boca faz um ricto, lêquadrinhos.
Guardo essa imagem.

Chegamos ao centro da cidade, há uma nevasca,
avisaram que nevaria.

No bar ouve-se a música que dancei na despedida.
Trabalhava como locutora, lia o boletim meteorológico,
um tédio programado: prótons, nêutrons,
núcleos atômicos, o céu na superfície.

Bebemos vodca.

Desenho num guardanapo a caricatura do sonho,
um homem mais velho de óculos escuros e jaqueta
preta. No capacete, o perfil de um animal.

Sou eu, diz o engenheiro.
Falta-lhe o corpo.

E esta cabra?
Não é uma cabra.

Bebemos mais,
ressuscito personagens, represento sem diretor,
conto anedotas aleatórias,
descontínuas.

Nasci num trailer.

Alguém entra e uma rajada de vento inunda o ambiente.
Um forasteiro com gestos infantis fecha em vão
um guarda-chuva. Estende o pescoço em busca de um lugar,
não encontra, espera, deixa a porta entreaberta
para tornar a sair.

The turn of the tide, cita o intruso.

Vejo voar o guardanapo,
o engenheiro se levanta, pega-o, está amarrotado,
rasgo-o.

Agora está rasgado, digo.
Me dê outro.

Nasceste num trailer.

Rascunho para o jovem magro, de rosto triangular,
ricto irônico.
Ele beija a mão que desenha,
coloca em sua carteira para o baterista.

No trailer, insiste por temer me desviar do assunto.

Numa pequena comunidade de estranhos
rousseauneanos, crentes e agnósticos ao mesmo tempo.
Sou filha de vários pais, uma boa escola,
sem fórmulas a imitar, ninguém se detinha em educar
Mesmo que tentes, não conseguirás, diziam.

Verdadeiro.
Falso.
Verdadeiro ainda que tenha nascido no jardim
de um hospital, parida de afogadilho, eu não digo.

Abençoada pela velocidade, restos de placenta
entre as coxas, pensaram ser um réptil,
serpente de metal dizem os astros, antecipa vazamentos,
prevê colapsos, desconfiança.

Suave falatório, tímidas confidências interrompidas
por uma gargalhada.

I’M GETTING OUT
I’M MOVING ON
AND FROM NOW ON
ADDRESS UNKOWN
I SHOULD BE DIFFICULT TO FIND
SO FOLLOW ME
JUST FOLLOW ME, dubla Amanda Lear.

A neve cai oblíqua, incansável, tentação impura.
Os cátaros adormecem até o fim.

Ele tira a jaqueta, puxa do bolso uma bússola.
Sobre a mesa oscila o norte.

Espere a minha voz, o cânone.

Descrevo a deriva, as perseguições, a aventura
do descuido. Enquanto falo desfilam cenas:
colégios, bordões, lamúrias,
Os NÃO CONFIÁVEIS dos gerentes e o Neuntöter
de minha mãe, sua fina ironia:
Quer dizer que somos pássaros ou nove vezes assassinos?

Por que voltar?

Pego a bússola, o bafo da minha respiração embaça o cristal;
distraída e concentrada num gesto desordenado,
faço brilhar com a manga do sweater.

O garçom traz duas tigelas,
carne de porco com molho picante.

Poderia tentar convencê-los
Não recebem estranhos.

Pode não ser
Se lhes disseres
É inútil, não ouvem.

Talvez devesses

Umedeço o pão num naco de carne, ofereço-lhe
miolo rosado,
ele morde e aproxima sua boca da minha.

Dissolvidos, beijados.
Diante do obstáculo, uma pátina de laca.
A tocha do presente exige mais vodca,
mais porco.

Girar dentro de um círculo, de um cubo, de um barril,
ser acrobata,
os joelhos virados para frente, não ver o último gesto,
salvar-se por mágica, a força do torpor.

Tenho algo para te dar
Cerro os olhos.

É uma joia, um bracelete,
fios de prata em torno do meu pulso.
Aprisionada, digo.

Sua expressão se congela, pressinto desilusão.
Rosto sombrio, austero.

Imaginação déspota, tiro uma a uma
as camadas de pele. Experiência de principiante,
desapegar-se, despojar-se. Nenhum arco-íris. Ver o crânio.

O engenheiro se desculpa:
Estou louco
Te prenderia

Saímos do bar.

Meus dedos procuram sem obsessão.
O empenho espontâneo de remexer eleger escolher.
Pego um batom, passo-o às cegas.

Para que não me beijes.

Esta frase o diverte, faz com que abra a carteira,
ofereça dinheiro.
Não cobro.

É um presente.
Não aceito.

A recusa o excita, minha falta de entusiasmo,
de curiosidade.

Me pede que entre no carro. Contato, ignição,
o para-brisas vai e vem.
Embreagem, primeira, acelerador, operação repetida.
Não há como avançar.

A neve nos cerca.
Ata uma corrente aos pneus.
Nem assim?

Demoramos a sair, a cruzar o perímetro urbano.
Paramos a uma quadra de El Ombligo.
Luz cor de mostarda, nuvens de fumaça,
a multidão assobia, estilhaça garrafas,
o cantor está doente, isso ocorre muitas vezes,
sofre de desânimo.

Me aproximo do microfone, não é a primeira vez,
balbucio mais consoantes que vogais,
canto em sérvio, sigo o ritmo da banda, da melodia,
um cover.

NIKAD SE NEĆU VRATIT U MOJ RODNI KRAJ
TAMO ME NE ČEKA NIKO
VEĆ ODAVNO SU IZBLEDELA SVA LICA
I VEĆ ODAVNO IMENA IM NE ZNAM

Só sei alguns versos, alterno-os,
combino-os, repito-os. Notas graves, pastosas,
blueseadas. Ninguém entende esta língua.
A ignorância fanatiza, cria idólatras,
viciados, androides.

Ao sair do palco,
me levantam na palma das mãos,
giro por cima de cabeças, ombros, braços.

Os músicos tocam lentamente, o frenesi arrefece,
alguns inflamados protestam, as luzes piscam
tons de azul laranja verde-musgo.
O engenheiro me resgata, luta com corpos de borracha,
relaxados, contraídos, tensos.

Demoramos a sair para o vazio.

Noite branca.

Um mais um zero, digo a caminho do carro.

No carro nevado
um homem e uma mulher fazem amor.
Com essa ilusão me penetra.
Acima abaixo.

Sinto a pressão do bracelete, os nós,
elos de prata.

Não importa o que faças
vou te querer para sempre
Adoraria poder matar, digo.

Abaixo acima.

A nudez do êxtase, saciedade nostálgica;
o carnaval albino lança fantasmas. 
Emudecer, emudecer, arrastar a noite
até que amanheça.

O engenheiro beija minhas pálpebras, deixo que beije,
sem lembranças, como na letra da música.

NUNCA VOLTAREI AO LUGAR ONDE NASCI
NINGUÉM ME ESPERA
HÁ MUITO TEMPO OS ROSTOS
PERDERAM A COR
HÁ MUITO TEMPO ESQUECI SEUS NOMES

Perspectiva miserável, apenas os primeiros planos,
cortes de tesoura,
a boca, seus olhos cinza,
fora do campo de visão o microscópio, o cata-vento,
no pulso arame farpado.
Entre os dentes um fio de tabaco insular.
Fugacidade da proximidade extrema,
crescimento contínuo, irresistível.

Saiba ou não como continuar, sou o que tenho,
o próprio futuro: um fetiche, um refém.

Multiplico a quietude, a demora.

Ninguém merece nem isto nem aquilo,
no entanto se compreende o benefício, o sossego.
Ir a lugar nenhum, campo minado.

A virtude das palavras escasseia, tudo parece dito,
até o não dito, chispas de fogo.

Um caminhão bate no para-choque,
no chassis, nas portas. Metal contra metal.
Os vidros no corpo sangram.

Ouço ruídos, vozes de ordens imprecisas.
Devagar. Pedem reforços. Uma ambulância.
Há pessoas dentro.

O engenheiro me cobre, sua jaqueta com capuz.

Ouvem-se seus gritos:
Por que não eu?
Por que não eu?

Mais ruídos, mais ordens,

não ouço mais o alarido.

O frio penetra neutro,
nunca houve densidade igual.

Sofreu o baterista?

Em minha cabeça ouço a canção:

VEĆ ODAVNO SU IZBLEDELA SVA LICA
I VEĆ ODAVNO IMENA IM NE ZNAM

 

VEĆ ODAVNO SU IZBLEDELA SVA LICA
I VEĆ ODAVNO IMENA IM NE ZNAM

VEĆ ODAVNO SU IZBLEDELA SVA LICA
I VEĆ ODAVNO IMENA IM NE ZNAM

Um homem de botas altíssimas carrega uma tábua,
uma maca.      

Um homem,
dois homens.

Borrões vermelhos escuros escuro,

esconde-se meu terno amante,

deixo-o cair,

letargia cerebral.

Estou coberta por um tecido translúcido, um templo.
Durmo e acordo, durmo e acordo,
a luz me dói, busco a inocência.
Imóvel, presa, impedida.

Ouço murmúrios.

Reaja, dizem.
Perdeu tanto sangue.

Porcelana trincada.

Você não pode fazer mágica.
Mentira

 Depois dirá que sorri ao ouvir essa palavra.

Ela entende?
O quê?

Ela escuta

Arrancavas tua sonda
os fios
Não é assim dizias
deixem tudo onde estava

Um enfermeiro queria que eu saísse
outro chamava os médicos
Pode haver uma emergência

Perguntas
Justificativas
Acusado por ser mais velho
Tudo presumia algo errado
Nicole e qual o sobrenome?
É minha mulher íamos partir em viagem
fomos vencidos pelo sono
Os documentos estão no bolso

Não os encontra. Há apenas cosméticos,
um chaveiro, um caderninho de notas, abre-o,
na primeira página escrito com tinta azul lê:

ACABOU-SE A JUVENTUDE

Fechei o caderninho
recoloquei o elástico

O senhor é a única testemunha, o único familiar?
Os pais vivem longe

Ela correu perigo, se tivéssemos demorado
seria irreversível.

Ninguém menciona o medo.
De quem?
Completamente extirpado.

E agora?
Fora da tenda, a memória intacta, os reflexos,
o deslocamento.
Percepção muito lenta, equivocada.

Dormias e dormias.

É outra noite.
Estou no apartamento do engenheiro,
um imenso loft sem quartos.
Dois painéis de parede a parede, cavaletes, folhas de papel,
um catre com edredom de plumas, nas paredes
fotos de pontes.

Há anos vivo de passagem
Pertenço à velha geração
antieletrônica

Seguro uma xícara, remexo o líquido castanho,
Bebo café quente.

A última coisa que comeste foi carne de porco
Me doem as gengivas.

Então?
Poderias pintar as minhas unhas.

Faço o que quiseres
arroz talharim purê
Tudo branco?
Prefiro vermelho, as unhas, a comida, os lençóis.

Hesita.

Pergunta se posso guardar um segredo.
Aceno com a mão.
Ou seja sim, diz zombando-me.
Senão?
Me calaria por um momento

Está sentado no chão,
levanta-se e me leva até a janela,
vejo o mar revolto, sombrio.

E o segredo?

Com voz parcamente audível, murmura:
Aluguei um barco

Cantar me leva até a lua.
Estiveste lá?
Nunca tão alto.

Meu estômago ronca.

No trailer havia carne seca, usava como chupeta.
Salgavam carne. Sal e fumaça.
Gostarias?
Gesto afirmativo.

Costumo chamar o engenheiro de Jota, Jota de Julián,
Jeremias, Jacinto, também de Juan.
Assim se apresentou enquanto tomava sol na praia,
era quase meio-dia,
tinha começado a ler um romance.

PASSARAM-SE MUITOS ANOS
E ESTA MANHÃ
SINTO UM DESEJO REPENTINO
QUERIA TER AS CINZAS DE MEU PAI

 

Foi o suficiente, fechei o livro.
Caída de boca na areia me debatia.
Sim, se pode escrever sobre a morte.
Eu disse isso quando me abordou.

Minhas sandálias e o capacete em suas mãos.

Iriam ficar molhadas
da grua eu te vi
tive medo da perfeição

Depois veio o sobrenome, a história da ponte,
o juramento, sua necessidade de confiar,
alegrar-se por eu estar viva.

 

A ÁGUA ARRASTA CADÁVERES DE MULHERES

O inesperado: um grão de mostarda.

Jota insiste:
Gostarias Nicole?

Volta a luz, o pão, duas fieiras de dentes,
minha língua salgada.

Beija meu rosto, seus lábios
flores carnívoras.

Avança retrocedendo, ainda não se despede,
a ideia de voltar posta de lado. Para trás, para trás.
Jota sabe, evita detonadores,
proibido o SE TIVESSE.
Comprou roupa igual à que usava, tamanho modelos
cores, talvez tenha comprado antes, quando insistia
em visitar minha família, quando me ofereci para convencê-los.

Não vais precisar de nada
só te despedires.

Desculpas, muletas. Inocular pequenas doses,
antídotos, carnaval de evasão.

Inventar não é mentir.

Jota sorri, quer me levar para longe, fala sobre a viagem.

Deixaria tudo menos o diário.
Lealdade aos sonetos?

Má ideia, Will.
Olha de soslaio sem responder, segura um caderno.
Sobre um quadro pardo há pins chamativos:

SEX PISTOLS
MADNESS
THE POLICE
THE CURE
DEAD CAN DANCE

O baterista fazia músicas

IMPLACÁVEL VIDA
CHEIA DE CARÍCIAS E TRAIDORES

Poucos meses antes do fim teve uma namorada
chamada Kira
Kira Farrel
tinha o cabelo longuíssimo
Quando lhe disseram que havia morrido
raspou o cabelo à navalha

Tirava fotos do gramado
da copa dos pinheiros
Não quis o diário
Maldito adeus
Fomos ao necrotério
no bolso da calça havia uma tomada
Kira gritou É meu
Gritou até lhe entregarem

Conheceram-se em agosto
ele gostava de juntar coisas da rua
percorriam a cidade
dois flâneurs

ESTENDO MINHA MÃO AO SOL
SANGUE DE CORVO
ENTRE OS DEDOS SE DILUI escreveu o baterista

Fizeram uma pequena tatuagem
duas cabeças de leão
Com movimentos autômatos
ela tocou sua marca órfã

HÁ SOMBRAS NO LAGO
PEIXES DE VENTRE CLARO continuava a música

Rapidamente me transformo, falo em voz baixa
para não assustar, para não me assustar.

Como sentir dor, pergunto.

Alguma vez soube o que era, depois
fui excluída do passado, do meu, do de todos.
As ações, as reações, uma manhã
esse mecanismo estava quebrado. Em seu lugar distância,
cinismo contemplativo, peixes de ventre claro,
estagnação de sensações, até no sonho,
mais nos sonhos.

A cabeça raspada, tirar fotos do gramado,
imagino a ação, o retângulo de capina.
Terra sobre terra.
Não sei se falo ou se penso.

Os vidros embaçados impedem de ver o mar,
as gaivotas revoam,
ouvem-se seus guinchos, bicos e asas furiosas.

No verão elas entram, diz Jota.
Também diz Vamos.

A dor tem efeito educativo,
primavera de fracassos, matéria combustível.
Estou curada.
Minhas pernas tremem de surpresa, de protesto.
Uma sucessão de expressões.

Saímos do mesmo modo como chegamos,
ele com alegria jovial, perturbado. Sou sua jovem conquista.
Engulo meu cansaço, imito-o,
arrebato certezas, escolho um papel fácil.

Goethe dizia:

SE OUÇO FALAREM

ALGUÉM RESSOA DENTRO DE MIM

COMO O ARCO DE UM VIOLONCELO